Dom Zanoni Demettino Castro
Abril /2018
+ Zanoni Demettino Castro
Abril /2018
Coisa de Negro
No momento em que se repercute a fala do
ancora do Jornal da Globo quando anunciava o resultado das eleições nos Estados
Unidos e fora flagrado numa declaração racial, nada respeitosa e profundamente
preconceituosa, ao afirmar que o que o buzinaço que estava acontecendo naquele
instante era “coisa de preto”, somos chamados, neste novembro negro, a refletir sobre a vida, a fé, a cultura e a
tradição do povo brasileiro afrodescendente, a refletir sobre “coisa de negro”.
Sob o manto de Nossa Senhora Aparecida os Bispos da América Latina
e do Caribe, em sua V Conferência, constataram que a história dos
afro-descendentes “tem sido atravessada
por uma exclusão social, econômica, política e, sobretudo, racial, onde a
identidade étnica é fator de subordinação social”(DAP 96). Embora vivamos
num novo tempo, numa nova época em que não se admitem etnocentrismos,
xenofobismos e preconceitos, os afro-descendentes “são discriminados na
inserção do trabalho, na qualidade e conteúdo da formação escolar, nas relações
cotidianas”. As conseqüências dos 300 anos de escravidão ainda não foram
suficientemente reparadas. Os números estatísticos são nítidos: há “um processo de ocultamento sistemático dos
valores, da história e da cultura dos afro-descendentes (DAP 102) .A formação superior, que deveria ser um
direito garantido a todos, tem sido uma meta quase impossível de ser alcançada,
dificultando ao negro o acesso às esferas de decisão na sociedade” (DAP
533).
Esta
realidade deve ser enfrentada. Como cristãos acreditamos que os valores do
Reino de Deus são imprescindíveis no processo de gestação de um novo modelo
cultural, quando os afro-descendentes “assumindo uma atitude mais protagonista” conscientes
do poder que têm nas mãos e da possibilidade de contribuírem na construção
desse novo modelo cultural, a nova sociedade, justa e solidária(DAP 75), sinal
do reino definitivo, anunciado e realizado por Jesus Cristo.
Nesta clima de reflexão e aprofundamento nos
alegra a realização de dois grandes acontecimentos: o IX CONENC que acontecerá
de 18 a 21 de janeiro de 2018 em Maringá no Paraná e o XIV EPA, Encontro de
Pastoral Afro americana, em Cali na Colômbia com o tema “A espiritualidade Afro-americana e os desafios do século X.
Creio que em nosso agradecimento a Deus,
podemos fazer nossa a belíssima canção do Pe. Valmir Neves: “Senhor venho ofertar coisa de negro, coisa
de negro, afinal, coisa de negro. O suor de cada dia, o peso de nosso trabalho,
as mãos tomadas de calos, coisa de negro. O que faço
não é certo. Meu grito nunca fez eco. Senhor sou negro. E não nego. Venho
ofertar minha dor. Senhor meu canto gemido. Dele nunca vou esquecer. Entre
salmos e benditos. Venho vos oferecer.”
Peçamos à Maria, a Soberana Quilombola, Mãe de
Deus e nossa Mãe , que neste ano em que comemoramos os 300 anos do encontro de
sua imagem no Rio Paraíba, interceda por
nós a fim de que o compromisso com o povo negro, assumido na Quinta
Conferencia de Aparecida, permaneça firme no horizonte evangelizador de toda a
Igreja do Brasil.
Arcebispo
Metropolitano
Arquidiocese de Feira de Santana - BA
Arquidiocese de Feira de Santana - BA